Uma chamada inesperada
Otto e eu dormimos na casa da Liv no
dia da “festinha” do pijama, assim como uma galera. Alice aparentemente
resolveu ignorar o fato de nunca ter gostado do Otto depois que viu nós dois
juntos e ficou toda amores pro lado dele a noite toda, o que eu suspeitava
fortemente que era efeito do álcool circulando no sangue dela. Liv me contou
que Ian ficou um bom tempo me procurando, dizendo que precisava conversar
comigo, mas que ele simplesmente foi embora sem dizer nada e nem se despediu de
ninguém depois que ela tinha dito que achava que eu estava no telhado, como
sempre. Ela não sabia dizer se ele tinha ido me procurar lá ou não.
As coisas entre Otto e eu estavam
muito bem, obrigado! Depois da festa, Alice passou a dizer que “desgostava” um
pouco menos dele, porque ela via que ele estava me fazendo bem e era isso o que
importava. Passado um mês, ela até conseguia admitir que “gostava um pouquinho
dele”. Era até engraçado ver como os papéis haviam se invertido e agora era ela
que acompanhava um casal e não eu. Aliás, ela tinha resolvido tirar um “período
sabático de boys”, no qual não se envolveria com nenhum garoto, porque
precisava de um tempo pra si mesma; eu super apoiava/concordava. Já Liv, pelo
contrário, vinha “passando o rodo geral”, pegando quem Deus ou o mundo
mandasse. Aparentemente, a festa fez muito bem pro ego dela que andava um pouco
inflado demais, mas nada tão prejudicial.
Ian... bem...
O Ian tinha se afastado de todo
mundo depois do dia da festa. E quando eu digo “todo mundo”, é todo mundo
mesmo. Ele não estava andando nem mesmo com o pessoal da nossa sala e tinha se
metido com uma galera meio barra pesada, se mudado pra casa de um carinha dessa
galera, vivia cheirando a álcool e tinha começado a fumar, sem contar que quase
não aparecia nas aulas.
Como eu disse antes, as coisas entre
Otto e eu estavam muito boas, muito mesmo. Boas até o dia em que um número
desconhecido me ligou no meio da tarde...
Otto e eu estávamos no meu quarto,
nos agarrando na minha cama, como é esperado de qualquer casal adolescente – e
essa era uma das melhores partes de fazer parte de um casal – quando o meu
celular começou a vibrar no criado-mudo. Ignoramos e ele parou. Continuamos nos
agarrando. O celular começou a vibrar de novo. Ignoramos e ele parou mais uma
vez. Mais uma e outra vez o celular tocou e mais uma e outra vez ignoramos.
–
Certo – Otto afastou a sua boca da minha e falou, meio a contragosto – eu odeio
ter que dizer isso, mas pelo amor de qualquer coisa atende esse celular, Zac.
Eu bufei.
– Tudo bem. – Falei. Peguei o
celular que quase caía de cima do criado-mudo. – Pronto. – Atendi. Silêncio do
outro lado da linha. – Alô? – Continuava fazendo silêncio. – Alguém? – Otto me
perguntou quem era. Nenhuma resposta, só o som de vidro quebrando. Já meio sem
paciência, bufei com o celular no ouvido e emendei: - Olha só, não to com tempo
pra brincadeira, ok? To desligando, passar bem!
– Zac? – Finalmente uma resposta! –
Er... Zac, não.... Não desliga, por favor.
Levei alguns segundos pra assimilar
e reconhecer a voz do outro lado da linha.
– Quem é? – Otto perguntou.
– Ian? – Exclamei sem saber muito bem como reagir.
Otto levantou as sobrancelhas e
ergueu os braços como quem diz “o que?”. “Não sei”, articulei as palavras sem
emitir som em resposta.
– Er... Eu mesmo – ele soltou uma
risada fraca. – Tudo bem contigo?
– Tudo... Ian, tem alguma coisa
acontecendo?
– Faz tempo que a gente não se fala,
né, Zac? – Aparentemente ele resolveu ignorar a minha pergunta. – Muito tempo
mesmo!
– Ian, tá tudo bem contigo? –
Perguntei sem entender nada. – Tua voz tá meio estranha.
– Tá sim. Só to meio chapado, sei
lá. Então – ele continuou. – Tem como tu vir aqui em casa agora?
– Que? Ir na tua casa? Tá maluco? –
Olhei pro Otto e ele parecia contar as estrelas no teto do quarto.
– Er... É que na real, eu não to
muito legal e precisava conversar contigo.
Revirei os olhos.
– Conversar comigo? – Exclamei, meio
que mais alto do que eu pretendia. Otto pareceu alarmado com a mudança no meu
tom de voz. – Agora tu queres conversar comigo?!
– Na verdade, eu já quero fazer isso
há um tempo, mas só agora criei coragem. Olha... – ele hesitou um pouco e não
terminou a frase.
– Olha...? – Instiguei ele a
continuar. Pela minha visão periférica, vi que Otto tinha começado a vestir a
bermuda. Acompanhei enquanto ele fechava o zíper e colocava o cinto, o elástico
branco da cueca ainda visível...
Droga,
pensei. Xinguei Ian mentalmente por ter estragado a minha tarde, mas quando fui
botar em palavras os xingamentos, percebi que a chamada tinha encerrado.
– Vem, eu te levo. – Foi tudo o que
Otto disse, colocando a camisa e saindo do quarto.
Levei um tempo até conseguir
entender o que ele quis dizer e um tempo ainda maior até conseguir sair da cama
e me vestir pra encontrar com o Otto no carro que, apesar de não ser dele, o
pai emprestava sempre que ele queria me ver – vantagens e desvantagens de se
morar longe. No caminho nenhum dos dois disse uma palavra sequer, mas o clima
dentro do carro era tão denso que acho que dava pra cortar com uma faca. Otto
parou o carro na frente da casa em que Ian estava morando.
– Otto...
– Zac, tá... Tá tudo bem. – ele
disse sem me olhar nos olhos. Ele sempre fora um péssimo mentiroso. – Eu vou
ficar aqui te esperando. Só... Não demora muito, tá bem? – e me deu um selinho
antes de abrir a porta do lado do passageiro pra mim.
Bati algumas vezes na porta, mas
como não obtive nenhuma resposta respirei fundo e abri a porta. Confesso que
fiquei um pouco decepcionado com o que vi. Esperava um pouco mais de caos e
desorganização. Não sei o porquê, mas esperava. Dei de cara com uma sala
organizada, com dois sofás, uma mesa de centro com uma toalha branca e alguns
copos em cima, um minibar na parte direita e uma tv e videogames na parte
esquerda. Tudo muito bonito, pelo menos até eu notar uma mancha
vermelho-amarronzada na toalha. Meu coração de repente começou a bater mais
rápido no peito e tratei de inspecionar a mancha.
Sangue?
Olhei em volta e vi que no chão
haviam alguns respingos da mesma cor vermelho-amarronzada. Segui o rastro até o
minibar e vi uma garrafa de whisky, também manchada. Senti o coração batendo
forte na garganta e nos ouvidos. Rodei toda a parte de baixo da casa atrás do
Ian, mas nem sinal dele. Além das marcas grotescas de sangue seco espalhadas
aqui e ali.
Encontrei um banheiro pequeno e com
o espelho quebrado. O que esse idiota tinha feito?! Continuei seguindo as gotas
de sangue no chão e marcas nas paredes e fui dar em uma escada de ferro nos
fundos da casa. Subi e encontrei Ian olhando pela janela de um quarto que mais
parecia uma segunda casa com três camas e mais dois sofás espalhados pelo
lugar.
– Ian? – Chamei. Ele pareceu tomar
um susto quando ouviu a minha voz, porque deu pra ver o espasmo que o corpo
dele deu. – O que aconteceu aqui? – Perguntei quando ele se virou pra me olhar.
– Acho que cortei a mão – ele riu,
levantando uma mão muito mal enfaixada em uma toalha verde.
Fui na direção dele e examinei a mão
enfaixada de perto. Tirei a toalha e vi que ele tinha cortes nos punhos e na
palma da mão direita. Nós dois tremíamos.
– E como é que isso aconteceu?
– Ah, não sei. – Ele riu de novo –
Na hora que eu te liguei. Soquei o espelho pra ver se criava coragem e dizia
alguma coisa.
– Idiota. – Sussurrei. – Tem algum
kit de primeiros socorros aí?
– Tem no banheiro, lá em baixo.
– Naquele que parece cena de filme
de serial killer?
– É. – Ele riu de novo. Nós dois
descemos, um clima meio desconfortável, mas menos denso que o que tava no carro
com o Otto.
– Desculpa ter atrapalhado o clima
com o teu namoradinho – ele falou,
enquanto eu limpava o corte na palma da mão. – Ai!
– Desculpa. – Resmunguei. Confesso
que não gostei da forma como ele falou do Otto. Até mesmo porque a gente ainda
não tinha conversado sobre como chamar a nossa relação. – Ele não é... Espera,
como tu sabes que eu tava com ele?
– Deduzi quanto te vi saindo do
carro dele. Ai!
– Se tu ficar quieto, talvez doa
menos.
– Mas eu to quiet.. Ai! Tá bom, eu não falo mais.
– Desculpa e obrigado. – dei um
sorriso falso e fechei a cara de novo.
– Ciúme. – Foi tudo o que ele falou.
Apertei o corte de novo, mas dessa vez ele não reclamou.
Vendo que ele tinha sido claramente
ignorado, Ian fechou a cara e não falou mais até que eu tivesse terminado os
curativos. Por algum motivo, ele me levou pela mão de novo pro quarto no andar
de cima e me jogou num dos sofás.
– Filho da.. – exclamei, meio sem
fôlego, mas não consegui concluir a frase. Quando dei por mim, os lábios de Ian
estavam nos meus, ansiosos e desajeitados. Soquei a cara dele e o empurrei pra
longe, sentindo um calor subindo pelas minhas veias. Raiva? – Tá maluco, Ian?!
– Cê bate que nem menina, Zac! – Ian
riu, alisando o rosto.
– Vai se foder, idiota! – Exclamei.
– Eu sabia que não deveria ter vindo aqui! – Virei de costas e já me preparava
pra descer as escadas, mas ele segurou a minha camisa.
– Desculpa, desculpa, desculpa! –
Ele se apressou em dizer. – Eu fui um idiota mesmo! Não deveria ter feito isso,
ou mesmo isso – ele ergueu a mão
enfaixada com gaze – Mas é que eu te liguei, aí ouvi a voz dele e fiquei me mordendo de ciúmes. Por isso soquei o espelho. Eu
sei que não deveria nem ter te ligado, mas eu precisava falar contigo, mas ele tava lá... – ele suspirou –
Desculpa, Zac. Me desculpa mesmo.
– Desculpar? – Eu me virei, cruzando
os braços pra não socar a cara dele de novo. – Desculpar pelo o que exatamente?
Por ter me beijado agora? Por ter me ligado e acabado com o clima da minha
tarde toda? Por ter agido como um babaca? Por me beijar na praça, ferrar com a
minha cabeça e depois fingir que não aconteceu nada? Por sumir e aparecer
sempre que dá na telha, como se a minha vida girasse em torno da tua? Desculpar pelo o que, Ian?
Ele me olhava com os olhos
arregalados e a boca aberta. Eu não tinha percebido, mas no decorrer das várias
perguntas minha voz foi subindo, subindo, subindo e quando dei por mim, estava
quase gritando com ele.
– Por tudo, eu acho – a voz dele
baixou pra quase um sussurro e ele se sentou no chão, parecendo derrotado. –
Mas principalmente por nunca ter dito que te am...
– Não! – interrompi a frase antes do
final. – Não, Ian. Não agora. Não hoje. Por favor!
Ele me olhou de uma forma...
– Eu te perdi, não foi? Pra ele.
– Não, Ian – respondi, sentando na
frente dele – Não pra ele. Tu me
perdeste quando eu percebi que tu nunca ias admitir o que sentia ou achava que
tava sentindo por mim. Tu me perdeste no momento que se deixou vencer pela
covardia. Tu me perdeste no momento em que me deixou sozinho. E foi aí que o
Otto entrou na minha vida, não antes.
– Eu fui um covarde mesmo. Mas... eu
tava confuso. Nunca tinha sentido nada por ninguém da mesma forma que senti por
ti e isso me deixou tão assustado!
– Eu também senti medo, Ian. Mas a
diferença é que não resolvi fugir e me esconder. Eu encarei de frente. –
suspirei – Não te culpo por isso. Sei que nem todo mundo lida com esse tipo de
sentimento como eu lidei e... Bem, me desculpa por ter explodido contigo. – Ian
segurou o meu rosto entre as mãos e aproximou o rosto dele do meu. Pensei que
ele fosse tentar me beijar de novo, mas tudo o que ele fez foi encostar a testa
na minha. – Eu te perdoo, cara. E, é, eu também te amo, apesar dos pesares.
– Ama? – ele sorriu.
– Amo. – respondi, também sorrindo.
– Mas isso não muda nada.
Ainda sorrindo, ele respondeu:
– Eu sei, Zac. E tudo bem.
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