Fica?


                Eu deveria ter dito alguma coisa, qualquer coisa. Algo estúpido, talvez, ou algo muito esperto. Não importa agora, pois eu deveria ter dito alguma coisa, mas eu não disse. Deveria ter dito no momento em que você, em meus braços, me olhou nos olhos e sem dizer palavra alguma me plantou um beijo doce nos lábios.
                No rádio, ao longe, tocava aquela canção que dizia “você não está arrependido”, daquela cantora que eu sempre achei sem graça. Mas, sabe, eu até que começava a apreciar a voz e a letra que chegava até meus ouvidos? Não, nem tanto pela voz típica de uma intérprete linda, loira e com um belo par de olhos azuis (são azuis, né?), mas sim pelo momento mais belo e agradável que cheguei a viver contigo. Era de longe a música mais apropriada para o momento, mas eu estava contigo e era isso o que me importava.
                Nossos corpos se tocavam de uma forma profanamente divina, nossas respirações sincronizadas como num belo acorde, teu sorriso fazia meu coração martelar no peito como louco, teus olhos me mantinham preso naquele universo negro e sem estrelas do teu olhar... Aquele momento, naquela cama ao teu lado, contigo em meus braços... Céus! Foi o mais próximo de “paraíso” que alguém como eu poderia chegar.
                Teus braços, teus olhos, teu sorriso, teus beijos eram o meu paraíso particular, meu pedacinho de céu, meu inferno, salvação e perdição em um espaço onde mal cabiam nós dois e eu não conseguia tirar os olhos de ti. Não conseguia, não queria. Se pudesse, passaria a eternidade ali, naquela cama ao teu lado, ouvindo o som da tua respiração, me alimentando do teu cheiro, morrendo pelo teu olhar e sendo salvo pelo teu sorriso.
                Talvez devêssemos ter ficado lá deitados. Talvez você não devesse ter levantado e talvez eu não devesse ter ficado calado.
                Outra vez por um longo tempo, enquanto você terminava de calçar os sapatos sentado na cama, teus olhos se encontraram com os meus. Dessa vez eles me alertaram que eu deveria dizer alguma coisa, qualquer coisa. Eles me disseram que você não se importava com a forma que as palavras sairiam da minha boca, bastava apenas que elas saíssem.
                Tomaste minhas mãos entre as tuas e teu rosto se aproximou do meu. Eu sabia que deveria dizer alguma coisa, mas diante de ti eu estava ridiculamente mudo. Com um sorriso triste, plantaste um último beijo em meus lábios e te observei fechar a porta atrás de ti.
                Eu deveria ter dito que te amava? Deveria ter agradecido pela noite mais mágica de todas? Ou deveria simplesmente ter dito “fica”? Bom, não importava mais, tinhas ido e agora já era tarde para dizer qualquer coisa.
               
                Despertei, confuso. Ainda estava escuro e a cama vazia. A frase “você não está arrependido” martelava repetidamente em minha cabeça, mas eu estava. Arrependido por, mesmo em sonho, não ter tido a coragem necessária para te pedir para ficar.