Camping #12

(Foto: We Heart It)

Pedras na janela

­– O problema é justamente esse! – eu tentava explicar via Skype pra Alice e pra Liv o que tinha rolado com o Ian na casa dele. Ou quase isso. – Não rolou absolutamente nada e o Otto surtou mesmo assim!
– Mas, Zac – começou Alice meio hesitante – O cara te beijou. Isso é muita coisa.
– Verdade – concordou Liv – E não é como se tu e o Otto estivessem “só” ficando. Um namoro tem dessas crises mesmo, mas... O Ian ter te beijado foi meio... demais?
– Demais como? – Eu quis saber, acrescentando logo em seguida: – E não tem namoro nenhum, aliás. É preciso um pedido pra oficializar as coisas e, todo mundo sabe, não é como se tivesse acontecido um.
– Ah, eu sei que tu não retribuíste o beijo e nem nada... Tu não retribuíste, né? Assim, só checando.
– Não. Eu já disse, soquei a cara dele. – Soltei um suspiro pesado. – Por isso que eu não consigo entender o motivo do Otto ter ficado com tanta raiva. Não seria pior se eu tivesse mantido em segredo?
– Seria – concordou Alice. – Seria mesmo. Mas tu realmente queres saber o porquê de o Otto ter “surtado”?
– Claro...
E lá vinha mais uma das intermináveis sessões de sermão feitas pela Alice.
– O Otto “surtou” de ciúmes simplesmente porque ele gosta de ti, Zac. Gosta tanto que ficou por perto, tentando te conquistar aos pouquinhos, te beijou na festa da Liv e te pediu em namoro, tudo isso sabendo que tu ainda eras apaixonado pelo Ian.
– Ah, mas nem tinha como ele sab...
Izaac Lenori, faça-me o favor! – Exclamaram as duas em uníssono. Eu sempre achei bizarro ver pessoas falando juntas. Mas esse lance de convivência tem dessas.
– Gente, sem essa coisa de “Izaac Lenori, etc., etc.”. É meio assustador quando vocês duas falam juntas. Sem contar que as duas esqueceram só um detalhezinho: sem pedido, sem namoro!
– Enfim – continuou Alice. – Até eu sabia. Sabe, quando tu voltaste do acampamento e não parava de falar nesse tal “amigo” incrível que não desgrudava de ti.
– E mesmo assim tu resolveste namorar com ele? – eu quis saber.
– Claro – quem respondeu foi a Liv – Da mesma forma que eu também sabia e mesmo assim quis namorar contigo.
– Oi?!
– Ai, Zac – continuou Liv – A gente gostava de vocês e isso nunca foi um problema.
– Tá, mas...
– Sexualidade é uma coisa que não tem a ver com escolher ou prever. – ela concluiu – A gente gostava de vocês da mesma forma que o Otto gosta de ti: independente de quem tu gostava ou gosta. Entende? Ele gosta de ti por quem tu és e isso é muito mais do que o suficiente! Entendeu?
– É... Eu acho que entendi sim. – Respondi – Bom, vou dormir. Já são quase três da manhã e a gente ainda precisa ir pra aula. Vejo vocês mais tarde. Beijinhos!
– Beijinhos! – Responderam as duas daquele jeito bizarro e em uníssono de novo.
           
Pois é, fiquei conversando com as meninas até às 3h. Isso sempre foi rotina entre Ally e eu. Era normal amanhecer falando besteira em conferência pelo Skype e ir pra aula caindo de sono e, quando o Ian ainda era mais “assíduo” na galera e depois a Liv também entrou, o assunto só fez aumentar. Atualmente, a galera tinha um grupo com todo mundo: Ally, Ian, Liv, Otto e eu – apesar de não ser usado de fato há um bom tempo; um grupo com Ally, Liv e eu; e um entre Otto e eu – era meio novo ter essas coisas de casal. O fato é: depois que desliguei a chamada com as meninas, fiquei um bom tempo me revirando na cama igual minhoca no anzol, sem conseguir dormir. Quando peguei o celular e olhei a hora, tomei um baita de um susto: 4h59!
Quase cinco da manhã e nada de eu conseguir dormir.
Esse tempo todo que passei acordado, fiquei pensando em mil e uma maneiras de mostrar pro Otto que ele não tinha porquê ficar tão bravo com o fato de que o Ian me beijou – e não o contrário. A nossa briga no carro voltando pra casa tinha sido bem feia! Tão feia que quando Otto me deixou na frente de casa, ele mal quis me beijar; o máximo que eu consegui foi dar um beijo no rosto dele e receber um “se cuida” em resposta.
Acontece que nunca fui o tipo de pessoa que desiste fácil, ainda mais quando eu raramente estava certo.
Tomei um banho, vesti o uniforme da escola, bebi um gole de café velho – e muito ruim – que tinha na cozinha e saí em direção ao ponto de ônibus. Cinco da manhã: essa parada ia ser resolvida antes mesmo de o sol nascer e dane-se o fato de que todo mundo provavelmente ainda estava dormindo.

Acontece que, assim que botei o pé pra fora do ônibus, toda a coragem e energia que o café dormido da cozinha me deu... bem, só digamos que ela já não estava mais ali. Primeiro, porque estava frio (muito frio) e eu saí de casa com o uniforme de corrida da escola, o que queria dizer que eu estava usando um short de malha e uma camiseta regata extremamente ridícula. Sim, eu tava congelando até os ossos! E, segundo, porque eu não fazia ideia do que falar pro Otto, afinal, “desculpa” não parecia certo por várias razões.
Minhas divagações sobre o tempo e pensando o que dizer quando visse o Otto não duraram muito porque logo eu estava parado na porta da frente da casa dele e, então, “o que dizer?” se tornou “o que fazer?”. Bater na porta não ia adiantar muito, porque pelo o que Otto tinha dito uma vez os pais e a irmã tinham um sono muito pesado, assim como meu digníssimo (quase) namorado; apertar a campainha dizem não ser lá muito educado, ainda mais às cinco e pouco da manhã, então...?
Olhei em volta e vi que no jardinzinho sob a janela perto da porta tinha umas pedrinhas de seixo, então o que eu fiz foi encher a mão com algumas delas, dei a volta na casa e comecei a jogar, uma a uma, na janela do quarto dele que ficava no segundo andar da casa.
Uma. Duas. Três. Cinco. Dez pedrinhas e nada.
Eu tava me sentindo numa daquelas cenas de contos de fadas, aqueles que o príncipe joga pedras na janela da princesa, só que numa versão ridícula e fracassada, afinal, o “princeso” aparentemente não ia aparecer de jeito nenhum. Joguei uma última pedra enquanto me virava, completamente frustrado, pronto pra ir embora quando ouvi um “ai!”.
– Mas que porr... Zac?!
– Er... – fui me virando devagar, coçando a cabeça e meio sem jeito. – Oi, Otto.
– Zac, o que tu tá fazendo aqui, pequeno?
– Eu... Hmm... Er... Ai, Otto, eu vim pedir desculpas! – Desculpas, Zac?! Sim, foi o melhor que eu consegui dizer.
– Zac... – Otto soltou um bocejo – Zac, são... – outro bocejo, agora olhando pro lado, acredito que checando o relógio na cabeceira da cama. – São 5h15 da manhã!
– São? – Eu ri sem graça – Desculpa. Er... Bom, então acho que já vou indo. T-tchau.
– Não. – Ele soltou no meio de mais um bocejo. – Espera, eu vou descer.
Dei a volta na casa novamente e agora eu já não sabia mais se tava tremendo por causa do frio ou do medo de ser mandado pra “aquele lugar”.
Otto abriu a porta da frente, enrolado na manta com a estampa do filme Toy Story que ele usava como cobertor e o esforço que tive que fazer pra não me derreter todo com tanta fofura foi excruciante.
– E então? – Ele perguntou.
– Ah, claro! – Devo ter ficado olhando pra ele com cara de idiota e me xinguei internamente por isso. – Então, eu sei que provavelmente tu deves estar me odiando no momento e que... hm... são cinco da manhã, mas queria te pedir desculpas pelo o que aconteceu, mesmo que eu ainda ache que não tenho culpa e que a tua crise de ciúmes foi um pouco exagerada, mas eu meio que te amo e não queria ter que ficar brigado contigo e eu não sei se consigo falar mais alguma coisa sem ficar sem folego... – respirei fundo e acrescentei com mais calma: – É isso. Acho que já vou indo. Tchau, mais uma vez.
– Zac! – Otto me segurou pelo pulso antes que eu pudesse virar as costas e sair andando. – Pra alguém que vive calado, tu pareces uma metralhadora quando começa a falar, meu Deus! – Ele riu. – Se alguém tem que pedir desculpas aqui, sou eu. Eu sei que exagerei. – Otto se aproximou e me deu um beijo na testa. – E eu “meio que te amo” também.
Não consegui conter um sorriso bobo. Era a primeira vez que a gente se declarava um pro outro assim.
– Agora – Ele abriu um dos braços, abrindo assim uma parte da manta e mostrando metade do corpo e da samba-canção também do Toy Story, o que era fofo e sexy em estranhas e iguais proporções – Vem comigo! Tá frio, tua boca tá ficando roxa e a gente ainda tem mais ou menos umas duas horas pra dormir de conchinha antes de ter que ir pro colégio.

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