– O problema é justamente esse! –
eu tentava explicar via Skype pra Alice e pra Liv o que tinha rolado com o Ian na
casa dele. Ou quase isso. – Não rolou absolutamente nada e o Otto surtou mesmo
assim!
– Mas, Zac – começou Alice meio
hesitante – O cara te beijou. Isso é muita
coisa.
– Verdade – concordou Liv – E não é
como se tu e o Otto estivessem “só” ficando. Um namoro tem dessas crises mesmo,
mas... O Ian ter te beijado foi meio... demais?
– Demais como? – Eu quis saber, acrescentando
logo em seguida: – E não tem namoro nenhum, aliás. É preciso um pedido pra
oficializar as coisas e, todo mundo sabe, não é como se tivesse acontecido um.
– Ah, eu sei que tu não retribuíste
o beijo e nem nada... Tu não retribuíste, né? Assim, só checando.
– Não. Eu já disse, soquei a cara
dele. – Soltei um suspiro pesado. – Por isso que eu não consigo entender o
motivo do Otto ter ficado com tanta raiva. Não seria pior se eu tivesse mantido
em segredo?
– Seria – concordou Alice. – Seria
mesmo. Mas tu realmente queres saber o porquê de o Otto ter “surtado”?
– Claro...
E lá vinha mais uma das
intermináveis sessões de sermão feitas pela Alice.
– O Otto “surtou” de ciúmes
simplesmente porque ele gosta de ti, Zac. Gosta tanto que ficou por perto,
tentando te conquistar aos pouquinhos, te beijou na festa da Liv e te pediu em
namoro, tudo isso sabendo que tu ainda eras apaixonado pelo Ian.
– Ah, mas nem tinha como ele sab...
– Izaac Lenori, faça-me o favor! – Exclamaram as duas em uníssono. Eu
sempre achei bizarro ver pessoas falando juntas. Mas esse lance de convivência
tem dessas.
– Gente, sem essa coisa de “Izaac
Lenori, etc., etc.”. É meio assustador quando vocês duas falam juntas. Sem
contar que as duas esqueceram só um detalhezinho: sem pedido, sem namoro!
– Enfim – continuou Alice. – Até eu
sabia. Sabe, quando tu voltaste do acampamento e não parava de falar nesse tal “amigo”
incrível que não desgrudava de ti.
– E mesmo assim tu resolveste
namorar com ele? – eu quis saber.
– Claro – quem respondeu foi a Liv
– Da mesma forma que eu também sabia e mesmo assim quis namorar contigo.
– Oi?!
– Ai, Zac – continuou Liv – A gente
gostava de vocês e isso nunca foi um problema.
– Tá, mas...
– Sexualidade é uma coisa que não
tem a ver com escolher ou prever. – ela concluiu – A gente gostava de vocês da
mesma forma que o Otto gosta de ti: independente de quem tu gostava ou gosta.
Entende? Ele gosta de ti por quem tu és e isso é muito mais do que o
suficiente! Entendeu?
– É... Eu acho que entendi sim. –
Respondi – Bom, vou dormir. Já são quase três da manhã e a gente ainda precisa
ir pra aula. Vejo vocês mais tarde. Beijinhos!
– Beijinhos! – Responderam as duas
daquele jeito bizarro e em uníssono de novo.
Pois é, fiquei conversando com as
meninas até às 3h. Isso sempre foi rotina entre Ally e eu. Era normal amanhecer
falando besteira em conferência pelo Skype e ir pra aula caindo de sono e,
quando o Ian ainda era mais “assíduo” na galera e depois a Liv também entrou, o
assunto só fez aumentar. Atualmente, a galera tinha um grupo com todo mundo:
Ally, Ian, Liv, Otto e eu – apesar de não ser usado de fato há um bom tempo; um
grupo com Ally, Liv e eu; e um entre Otto e eu – era meio novo ter essas coisas
de casal. O fato é: depois que desliguei a chamada com as meninas, fiquei um
bom tempo me revirando na cama igual minhoca no anzol, sem conseguir dormir.
Quando peguei o celular e olhei a hora, tomei um baita de um susto: 4h59!
Quase cinco da manhã e nada de eu
conseguir dormir.
Esse tempo todo que passei
acordado, fiquei pensando em mil e uma maneiras de mostrar pro Otto que ele não
tinha porquê ficar tão bravo com o fato de que o Ian me beijou – e não o
contrário. A nossa briga no carro voltando pra casa tinha sido bem feia! Tão
feia que quando Otto me deixou na frente de casa, ele mal quis me beijar; o
máximo que eu consegui foi dar um beijo no rosto dele e receber um “se cuida”
em resposta.
Acontece que nunca fui o tipo de
pessoa que desiste fácil, ainda mais quando eu raramente estava certo.
Tomei um banho, vesti o uniforme da
escola, bebi um gole de café velho – e muito ruim – que tinha na cozinha e saí
em direção ao ponto de ônibus. Cinco da manhã: essa parada ia ser resolvida
antes mesmo de o sol nascer e dane-se o fato de que todo mundo provavelmente
ainda estava dormindo.
Acontece que, assim que botei o pé
pra fora do ônibus, toda a coragem e energia que o café dormido da cozinha me
deu... bem, só digamos que ela já não estava mais ali. Primeiro, porque estava
frio (muito frio) e eu saí de casa com o uniforme de corrida da escola, o que
queria dizer que eu estava usando um short de malha e uma camiseta regata
extremamente ridícula. Sim, eu tava congelando até os ossos! E, segundo, porque
eu não fazia ideia do que falar pro Otto, afinal, “desculpa” não parecia certo
por várias razões.
Minhas divagações
sobre o tempo e pensando o que dizer quando visse o Otto não duraram muito
porque logo eu estava parado na porta da frente da casa dele e, então, “o que
dizer?” se tornou “o que fazer?”. Bater na porta não ia adiantar muito, porque
pelo o que Otto tinha dito uma vez os pais e a irmã tinham um sono muito
pesado, assim como meu digníssimo (quase) namorado; apertar a campainha dizem
não ser lá muito educado, ainda mais às cinco e pouco da manhã, então...?
Olhei em volta e vi
que no jardinzinho sob a janela perto da porta tinha umas pedrinhas de seixo,
então o que eu fiz foi encher a mão com algumas delas, dei a volta na casa e
comecei a jogar, uma a uma, na janela do quarto dele que ficava no segundo
andar da casa.
Uma. Duas. Três.
Cinco. Dez pedrinhas e nada.
Eu tava me sentindo
numa daquelas cenas de contos de fadas, aqueles que o príncipe joga pedras na
janela da princesa, só que numa versão ridícula e fracassada, afinal, o
“princeso” aparentemente não ia aparecer de jeito nenhum. Joguei uma última
pedra enquanto me virava, completamente frustrado, pronto pra ir embora quando
ouvi um “ai!”.
– Mas que porr... Zac?!
– Er... – fui me
virando devagar, coçando a cabeça e meio sem jeito. – Oi, Otto.
– Zac, o que tu tá
fazendo aqui, pequeno?
– Eu... Hmm... Er...
Ai, Otto, eu vim pedir desculpas! – Desculpas, Zac?! Sim, foi o melhor que eu
consegui dizer.
– Zac... – Otto
soltou um bocejo – Zac, são... – outro bocejo, agora olhando pro lado, acredito
que checando o relógio na cabeceira da cama. – São 5h15 da manhã!
– São? – Eu ri sem
graça – Desculpa. Er... Bom, então acho que já vou indo. T-tchau.
– Não. – Ele soltou
no meio de mais um bocejo. – Espera, eu vou descer.
Dei a volta na casa
novamente e agora eu já não sabia mais se tava tremendo por causa do frio ou do
medo de ser mandado pra “aquele lugar”.
Otto abriu a porta
da frente, enrolado na manta com a estampa do filme Toy Story que ele usava como cobertor e o esforço que tive que
fazer pra não me derreter todo com tanta fofura foi excruciante.
– E então? – Ele
perguntou.
– Ah, claro! – Devo
ter ficado olhando pra ele com cara de idiota e me xinguei internamente por
isso. – Então, eu sei que provavelmente tu deves estar me odiando no momento e
que... hm... são cinco da manhã, mas queria te pedir desculpas pelo o que aconteceu,
mesmo que eu ainda ache que não tenho culpa e que a tua crise de ciúmes foi um
pouco exagerada, mas eu meio que te amo e não queria ter que ficar brigado
contigo e eu não sei se consigo falar mais alguma coisa sem ficar sem folego...
– respirei fundo e acrescentei com mais calma: – É isso. Acho que já vou indo.
Tchau, mais uma vez.
– Zac! – Otto me
segurou pelo pulso antes que eu pudesse virar as costas e sair andando. – Pra
alguém que vive calado, tu pareces uma metralhadora quando começa a falar, meu
Deus! – Ele riu. – Se alguém tem que pedir desculpas aqui, sou eu. Eu sei que
exagerei. – Otto se aproximou e me deu um beijo na testa. – E eu “meio que te
amo” também.
Não consegui conter
um sorriso bobo. Era a primeira vez que a gente se declarava um pro outro
assim.
– Agora – Ele abriu
um dos braços, abrindo assim uma parte da manta e mostrando metade do corpo e
da samba-canção também do Toy Story,
o que era fofo e sexy em estranhas e iguais proporções – Vem comigo! Tá frio,
tua boca tá ficando roxa e a gente ainda tem mais ou menos umas duas horas pra
dormir de conchinha antes de ter que ir pro colégio.
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